Ficç?o também é Verdade

Essas s?o experiências liter?rias, comprometimento com idéias verdadeiras, nem sempre originais, que saltam da cabeça e se transformam em palavras.

 
 

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sexta-feira, maio 21, 2004
 
(((requentando)))
Este texto eu escrevi há séculos para o veículo de um amigo meu, mas ele nunca foi aproveitado. Eu sei que não é justo, depois de tanto tempo, publicar uma crônica antiga, mas pelo menos é uma coisa diferente. :o)


Sobretudo Salvador
Moda de cinema, moda de rua: as tendências trazidas
por uma trilogia que perdeu o senso do ridículo


Poucos dias depois da estréia daquele terceiro filme de uma saga que prometeu revolucionar um monte de coisa e acabou se rendendo aos clichês caça-níqueis de filme de ação, lá me despenco eu para uma sala de cinema de shopping para engrossar os números de sua bilheteria. Eu já havia andado 2/3 do caminho, não ia parar sem conhecer o desfecho, não é?

Não é preciso ser muito observador para perceber que a tal trilogia provocou uma onda comportamental. Nas filas da bilheteria, adolescentes (e outros nem tão jovens assim) usavam casacos pretos, óculos escuros, gel no cabelo. Tentativas de se espelhar no visual futurista da telona. Neos e Trinitys em cada praça de alimentação. Como vivemos no presente e numa terra quente, a galera não tem medo de improvisar, tornando a maioria das imitações bastante... curiosas. Tome-lhe capa-de-chuva, botas baratas e casacos curtos, que às vezes nem chegam a ser na cor preta. Armengue total.

No meu caminho, uma das vitrines tropeça em minha frente, mostrando que o modismo é oficial. Numa loja de roupas "alternativas", todo imponente, um sobretudo encara os passantes. De tecido sintético, ele afronta os que param para vê-lo com os três dígitos do seu preço. Parece dizer "welcome to the real world". Sim, o filme Matrix provocou a venda de casacos sobretudo em Salvador ? Bahia ? Brasil, onde a variação de temperatura é mínima e mal parecemos sair do Verão.

Ligeiramente estarrecida diante da vitrine, eu ria sozinha em pensamento. Imagine alguém tendo um sobretudo preto de tecido sintético em Salvador. Seria realmente muito glamouroso usar uma peça assim nesta cidade. Nos dias de sol, seria difícil aguentar o calor e ainda por cima manter a pele sem empolar. Onde eu estava com a cabeça? Claro que a pessoa não ia usar o sobretudo em dias de sol! Seria uma peça guardada para ocasiões raras e especiais: os dias frios. E quando os dias são menos quentes em Salvador, chove. O belo sobretudo, que não é de tecido impermeável, ficaria ensopado. E as marcas de lama, atiradas pelos carros que pisam fundo nos inúmeros buracos da pista?

Talvez a sombra dessas pequenas calamidades viesse se deitar sobre o feliz proprietário do sobretudo, uma peça de bom gosto e alto custo. O senso de preservação acabaria por enclausurar o poderoso casaco em algum guarda-roupas (ou maleiro) na eterna espera de um dia de estio e vento gelado em que ele pudesse ser desfilado por aí todo garboso. Praticamente como se ele estivesse na artificial realidade da Matrix.

Juliana Protásio é jornalista e precisa de pílulas que
aliviem os sintomas de stress. O que? Elas são azuis?